Psicanálise e Interpretação de Sonhos por Sigmund Freud

Heraclito, um filósofo grego do século VI A.C., escreveu «Quando está acordado existe apenas um mundo comum, mas quando está a dormir o homem tem o seu mundo privado.»

Desde o início da História que os humanos sempre souberam que os sonhos eram «diferentes», que vinham de um lugar diferente. 

As culturas tradicionais pensavam que os sonhos eram mensagens de Deus, ou os meios através dos quais o sobrenatural transmitia os poderes especiais aos humanos. 

Os sonhos eram usados pelos escritores nas suas obras — de fato, o primeiro poema importante, O Épico de Gilgamesh, está cheio de sonhos significativos que ajudam a escrever as obras — e alguns grandes artistas usavam os sonhos para se inspirarem nas suas fantasias.

Leonora Carrington, uma pintora surrealista do século XX, escreveu «Sempre tive acesso a outros mundos, todos temos porque todos sonhamos.»

Foi apenas no século XIV que o estudo dos sonhos voltou à ideia de Heraclito de que os sonhos são «o mundo privado» de cada pessoa.

A psicologia e a psicanálise desenvolveram-se, bem como a interpretação dos sonhos relacionados com a situação e a consciência pessoal de cada indivíduo. 

Três psicanalistas — Sigmund Freud, Carl Jung e Fritz Perls —foram os principais responsáveis por esta nova visão dos sonhos e seus significados, com Sigmund Freud na liderança.

As teorias dos sonhos de Freud

O que têm em comum a alma humana e um icebergue? Desiste já? Então nós dizemos-lhe. Ambos têm uma área escondida abaixo da superfície que é muito maior do que pensamos.

Nos humanos, a parte do icebergue que está abaixo do nível visível chama-se inconsciente. A parte visível é o que está consciente, os nossos pensamentos.

Embora filósofos, escritores e pensadores em toda a história tenham falado na noção de inconsciente, foi Sigmund Freud quem criou o conceito de «inconsciente».

Freud acreditava que nada do que fazíamos acontecia por acaso. Todas as ações e pensamentos que tínhamos eram motivados por conflitos inconscientes focados na agressão, impulso sexual e no desejo inflexível de prazer.

Segundo ele, para pertencermos a uma sociedade civilizada, escondíamos os nossos apetites primitivos. Mas como não era possível acabar totalmente com os nossos impulsos, tínhamos que os esconder no fundo da nossa alma.

Freud começou o seu estudo dos sonhos sozinho e por isso muitos críticos — e há muitos! — dizem que a preocupação com o sexo que forma o núcleo da sua teoria dos sonhos reflete os seus próprios conflitos e não devem ser aplicadas a todas as pessoas.

Segundo ele, o problema de esconder algo tão potente como o id (a procura de prazer, o centro sexual e agressivo do nosso ser) é que aparece às vezes sob diferentes formas. Não será negado. Terá que se libertar de alguma forma. Às vezes isto aparece nos deslizes de Freud. Estes deslizes podem ocorrer quando estamos acordados, ou nos sonhos.

Mas como se sabe o que é o inconsciente (o que realmente se sente e se quer) se, pela sua natureza, está escondido? Segundo Freud, para começar nada melhor do que examinar os seus sonhos. 

Freud referia-se aos sonhos como «a estrada real para o inconsciente» e acreditava que se fazia nos sonhos os desejos do id que não se admite ou que se finge quando se está acordado.

As outras partes da alma definidas por Freud — o ego e o superego — são menos vigilantes quando dormimos. Por outras palavras, a sua guarda está em baixo durante o sono, dando aos seus desejos inconscientes uma hipótese de escaparem, de subirem à superfície nos nossos sonhos.

Mas… espere. Se isso é verdade, se tem a oportunidade de exprimir todos os seus desejos escondidos nos seus sonhos, então porque é que às vezes tem sonhos tontos, incoerentes, assustadores ou trágicos? Bem, agora é que as coisas se tornam interessantes!

Segundo Freud, embora a sua guarda possa estar em baixo quando dorme, não está ausente. Mesmo quando sonha pode sentir-se aborrecido e ansioso com os fortes desejos e emoções expressos.

Para preservar o sono (lembre-se que Freud disse que o objectivo dos sonhos era zelar pelo sono), a sua mente faz um pouco de censura fora de horas. Assim, obtém o melhor dos dois mundos: os seus sonhos podem considerar-se um compromisso porque expressam os seus desejos de forma disfarçada enquanto está a apreciar tudo de olhos fechados.

De acordo com a teoria psicanalítica, o inconsciente é a soma de todos os pensamentos, memórias, impulsos, desejos e sentimentos de que não se apercebe mas que influenciam as suas emoções e o seu comportamento.

Os deslizes freudianos são erros que nos dizem algo sobre os nossos desejos inconscientes; transmitem algo que não sabíamos que sentíamos ou desejávamos. Por exemplo: sonha com a professora da 4a classe que tornou a sua vida num inferno. No sonho diz: «Olá, Sra. professora, pensava que tinha morrido.» O que queria dizer era «que se tinha reformado». Durante um segundo, expressou o que realmente sentiu, hostilidade.

O ego é a parte da nossa alma que atua como guardião entre os sentimentos instintivos (id) e o nosso sentido de propriedade e consciência (superego).

Psicanálise de Freud

Freud divide este processo de censura a que chamou «psicanálise» em várias fases: processo secundário, condensação, deslocação e projecção.

Ao descobrir como e o que censura nos seus sonhos, pode descobrir muitas coisas sobre os seus verdadeiros sentimentos e motivos (diz a teoria).

Processo secundário

É a forma que arranjamos para criar uma história do conteúdo do sonho, mesmo se for incoerente ou bizarro. 

Pense assim: Suponha que era responsável por um episódio de um seriado e lhe diziam que teria que incluir algumas coisas. 

A sua tentativa de dar sentido ao que pretendem é o que o processo secundário faz ao inventar uma história que inclua tudo isto. 

Mas, ao fazê-lo, disfarça a origem do sonho. O sentido que faz das partes, o sonho que temos, chama-se teor manifesto.

Freud estava convencido de que tinha de descodificar o teor manifesto e descobrir o significado escondido, ou teor latente do sonho.

Condensação

A condensação refere-se à tendência de combinar vários pensamentos de sonhos latentes em elementos mais sucintos. 

O conhecido psicanalista e escritor Charles Rycroft afirma que na condensação os pormenores dos nossos sonhos podem ter vários tópicos; duas ou mais imagens são fundidas para formar uma imagem composta, cujo significado tem a ver com cada imagem.

Por exemplo, se sonhar com bolachas prestes a queimarem-se no forno na sua casa de infância, a imagem condensada do forno pode indicar que deseja os confortos do passado e que sente que a sua atual situação está «demasiado quente para si».

Deslocação

A deslocação refere-se à forma como podemos reduzir as nossas ansiedades ao sonharmos com elas de forma segura. 

Exprimimos um desejo mas redireccionamo-lo para outra pessoa ou objeto. 

Por exemplo, suponha que não se apercebe que está muito zangado como seu filho adolescente. 

No mundo dos instintos id, pode até sentir que a sua raiva é de morte. 

Mas em vez de ter um sonho onde mata o seu próprio filho (isso é que causaria ansiedade e o acordaria), sonha que o Homer Simpson (a personagem favorita dele na TV) morre num acidente de esqui.

Quando nos deslocamos, usamos um símbolo para substituir o significado. 

Ou seja, os conhecidos simbolismos sexuais de Freud: tudo o que tenha a forma fálica é um símbolo de um pénis (armas, paus, a Torre Eiffel…) e tudo o que tenha a forma de receptáculo é uma vagina (uma chávena, uma caverna, uma caixa…).

Projeção

A projeção é semelhante à deslocação mas reduz o processo. 

Nos seus sonhos, quando projeta as suas fantasias reprimidas em alguém ou alguma coisa, acaba por sonhar com essa coisa mas não vai ter a responsabilidade desse desejo aborrecido. 

Usando o último exemplo dos pais assassinos, se a projeção fosse usada, então o seu filho adolescente morreria mesmo, mas seria outra pessoa a matá-lo.

Que exemplo tão macabro, não? Lembre-se: estes são apenas sentimentos que todas as pessoas têm às vezes. É claro que não vai agir em conformidade!

Para conseguir perceber o que os sonhos dos seus pacientes representavam, Freud incentivava-os à livre associação, dizendo tudo o que lhes viesse à cabeça sobre cada imagem ou acção no sonho. Quando o sonho manifesto era analisado pelo método de livre associação, podia ser compreendido como uma tentativa de cumprir um desejo.

Claro que, de acordo com Freud, no seu livro “Interpretação dos Sonhos” diz não ser um processo fácil; de facto, os analistas freudianos passam por anos de treino antes de estarem prontos a fazê-lo. Mas até mesmo lendo sobre os métodos de interpretação pode ajudá-lo a explorar o significado dos seus sonhos.

E quanto à ansiedade?

A teoria de Freud sobre os sonhos e a sua convicção de que eles são da maior importância era brilhante e notável. 

Mas isso não quer dizer que estava 100% certo. A ideia de que os sonhos eram uma forma «segura» de realização merece mesmo muitas críticas. Talvez fique surpreendido ao saber que na lista dos cépticos está o próprio Freud. Acabou por se afastar um pouco dessa ideia, mais tarde.

E quanto aos sonhos ansiosos; será isso desejo de realização? 

Freud podia afirmar que era um desejo de realização disfarçado, mas também disse que os sonhos de ansiedade são o resultado de não se conseguir alcançar um disfarce suficientemente bom, de modo que o principal desejo aparecesse ao de cima, e pronto — lá estava de novo no sonho, onde fazia testes para os quais não tinha estudado ou aparecia nu em frente do professor.

Freud também disse que os sonhos de ansiedade eram uma função de impulsos sexuais reprimidos.

Isso leva-nos à segunda maior crítica da teoria de Freud sobre os sonhos: a ideia de que tudo desde os cigarros aos palitos representam o fálico, e que as cavernas, jarros e outros receptáculos passivos representam os genitais femininos.

Freud era produto do seu género, raça, classe e geração. 

A sua preocupação com a imagem sexual pode ter a ver com a repressão sexual da era vitoriana e/ou a sua própria relação com o sexo. 

Era evidente que o significado que dá aos símbolos podem dizer mais sobre a sua cultura do que de uma realidade fixada.

A sua convicção de que as mulheres são versões estragadas dos homens e a sua ignorância de muitas das dinâmicas entre mãe e filha põem em causa algumas das suas conclusões.

Mais uma vez, muitas das teorias de Freud, incluindo as que estão relacionadas com os sonhos, ficaram muito mal vistas por muitos, talvez devido à sua insistência de que todos os caminhos levam a sentimentos sexuais reprimidos e outros desejos escondidos. 

Quanto a interpretar sonhos, muitas pessoas preferem um dos seus discípulos, Carl Jung, para se inspirarem.

Diário de sonhos

Ficou entusiasmado com o valor que os sonhos podem ter?

Da próxima vez que sonhar, registe o sonho no seu diário o mais depressa e com a maior precisão possível. E durante os 10 minutos seguintes escreva ou desenhe tudo o que se lembrar do sonho. O que os seus pensamentos lhe dizem do sonho e porque sonhou isso? Registre este sonho no seu diário.

Há um mundo de diferenças entre o pensamento e a ação. Não existem pensamentos, sentimentos ou sonhos errados ou maus. 

A escritora Carson McCullers escreveu «Nada humano é estranho para mim.» Mas a forma como age faz os sentimentos serem bons ou maus. 

Se mostrar os sentimentos nos sonhos perturbadores o coloca em perigo de agir de acordo com eles, pare. Procure a ajuda de um profissional de saúde mental!